quarta-feira, novembro 07, 2012

Artigos sobre BD, Os meus artigos (I) "Crise nas revistas de BD"



Estava um destes dias a mexer na minha vastíssima colecção fanzinística, e deparou-se-me o exemplar nº 20, de Setembro de 1993, do fanzine Banda, dedicado à BD, editado por Rui Brito, zine esse que obteve vários prémios. E, como dizia na capa "Quando o Fim Chega", excitou-me a curiosidade de o folhear.

Lá encontrei colaboração minha (1) de que me lembrava parcialmente, mas já não tinha ideia de que fazia parte do conteúdo daquele número, último do Banda.

Na minha opinião - suspeita, admito - considerei que o meu texto, dividido em duas partes, tinha suficiente actualidade para o incluir aqui - sendo a primeira parte uma análise ao momento de crise de interesse pela leitura de BD, das revistas em especial, que já então se verificava - ou seja, esse tema já vem de há muitos anos -, e as principais razões do fenómeno. 

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A CRISE NAS REVISTAS DE BD

Antes de mais, não será despiciendo começar por dizer que o tempo de crise atingiu há muito a banda desenhada.

Após ter sido, para a juventude de décadas anteriores à de setenta, o que depois passou a ser a televisão, tem vindo gradualmente a decrescer de importância enquanto forma de entretenimento. Mesmo considerando que, em alguns casos - Astérix, Heróis Disney - ainda se mantêm elevados índices de popularidade.

Analisando-se as causas da crise (2), não restam dúvidas que uma das mais evidentes é a irresistível facilidade de se poder ver em nossa casa, num pequeno rectângulo luminoso, heróis inter-galácticos, agentes ultra-secretos, super-polícias impolutos, versões romanceadas da história. E para se ter tudo isso em movimento, som e cor, basta premir-se uma tecla, que até pode ser à distância. É quase um gesto automático, dir-se-ia sonâmbulo, por vezes, que vai alastrando, subjugando um universo cada vez mais alargado de pessoas, em número e idades, imobilizando-os na maior parte do seu tempo disponível. Poder-se-ia definir tal fenómeno hodierno por "tirania do pequeno écrã".

Como estranhar, então, que os jovens se lhe submetam (3), e se habituem, desde muito cedo, a receber directamente em casa, a desejada parcela de  evasão à rotina do quotidiano.

Adicione-se-lhe, no que concerne à juventude actual, o fascínio hipnótico dos jogos de vídeo e de computador. E compreender-se-á assim que, irreversivelmente, passou o tempo em que os jovens procuravam o sonho consciente no cinema, na literatura ou na banda desenhada.

LER CADA VEZ MENOS

De acordo com esta abordagem da realidade actual, ler passou a constituir um escape lúdico e cultural "em vias de extinção". Ou, por um prisma menos pessimista, pressente-se que corre o risco de ficar reduzido a prazer de elites cada vez mais restritas. E como a BD tem uma habitual componente de texto, é natural que dentro desta perspectiva, esteja condenada a fim semelhante.

Cingindo-se a presente análise ao panorama português, há outro aspecto penalizante: é que entre nós, durante décadas, a banda desenhada teve apenas por suporte um tipo de revistas que privilegiavam, quase invariavelmente, o sistema de histórias em continuação. Isto exigia, do leitor/visionador, razoável dose de paciência para aguardar o evoluir dos episódios de número para número. Com a agravante de que as revistas eram, na generalidade, semanais ou quinzenais...

Aliás, tal sistema era igualmente usual noutros países europeus, nomeadamente Itália, Bélgica, França ou Espanha. Isso sem embargo de sempre terem existido, em simultâneo, algumas revistas que preferiam incluir episódios completos, em especial nos Estados Unidos, com os seus "comic books".

A comparação dos resultados obtidos por revistas usando esquemas tão diferentes terá sido favorável às que apenas incluíam histórias conclusivas em cada número. Mas nem essa solução, frequentemente adoptada, foi suficiente para evitar a visível crise das publicações periódicas de BD. Prova bem concreta tem sido a vida efémera de algumas delas, ou o fim abrupto de outras que, ao longo de anos, tinham transmitido a imagem de uma estabilidade inabalável.

De pouco tem valido aos editores a procura de uma solução de compromisso entre as duas hipóteses, passando a inserir várias pequenas histórias curtas em cada número, em simultaneidade com pequenas parcelas - uma, duas ou poucas mais páginas - de séries longas, mantendo assim a componente tradicional do género que ainda hoje tem os seus adeptos, apreciadores da expectativa criada pela frase "continua no próximo número".

A diminuição da popularidade das revistas de banda desenhada tornou-se um facto concreto, em especial a partir da década de setenta. Em Portugal prova-se tal afirmação citando os títulos VISÃO, JORNAL DA BD, MOSQUITO (V SÉRIE) e SELECÇÕES BD, todas de curta existência.

Fenómeno semelhante se tem verificado em países onde a BD beneficia de mercado bem mais amplo e de maior poder económico. É o caso, por exemplo, de Espanha, Bélgica e França onde, nas décadas de setenta e oitenta, desapareceram alguns títulos de grande prestígio, nomeadamente BLUE JEANS, BOOMERANG, TOTEM, COMIX INTERNACIONAL, CAIRO, TINTIN,CHARLIE, PILOTE, MÉTAL HURLANT e CIRCUS - para apenas citar as de mais longa existência - além de uma das raras revistas dedicada em exclusivo ao estudo, crítica e informação, os CAHIERS DE LA BANDE DESSINÉE. E, muito recentemente (4), cessou de publicar-se a prestigiosa VÉCU (ilustra o topo do "post" a imagem da capa do nº 37, de 2003) .

Para além das razões já focadas anteriormente - tirania da TV, dos videojogos e jogos de computador - a par com a notória e crescente falta de paciência para acompanhar histórias publicadas parcelarmente, há que apontar desassombradamente para um factor decisivo, gerado no próprio meio editorial: a deliberada preferência das editoras pelos álbuns, em detrimento das revistas.

Não se justifica dissecar-se exaustivamente neste artigo os motivos dessa preferência. Mas, aflorando apenas o problema, poder-se-á dizer que uma das razões principais tem a ver com as diferenças de tempo de "vida" entre a revista e o álbum, com nítida vantagem para este. Efectivamente, cada número de uma revista está à venda nas bancas, papelarias ou livrarias, uma semana no máximo, sendo logo as sobras - já com alguns exemplares em mau estado - devolvidas à distribuidora e mais tarde à editora; em contrapartida, os álbuns podem permanecer à venda nas livrarias por períodos de tempo consideráveis. A diferença de garantias na recuperação dos investimentos pende, vantajosamente, para o álbum   

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(1) Por falha que me desagradou, o nome do autor do artigo não ficou registado sob o título, ao invés do que acontecia com outros autores de textos naquele exemplar, como era o caso de Domingos Isabelinho, Fernando Vieira e o próprio faneditor, Rui Brito.

(2) Note-se a persistência da palavra crise neste pobre país.

(3) Agora, além da televisão, são também os jogos de computador, de vídeo, as consolas, enfim, a conhecida parafernália informática.

(4) Aqui, a frase "muito recentemente" tem de ser lida com a noção de que este artigo foi escrito em 1993 

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